sábado, 12 de março de 2011

Por um Triz...

Para tudo na vida existe uma primeira vez, algumas primeiras vezes no entanto não são esperadas. Uma delas aconteceu comigo quinta feira passada. Estava viajando de ônibus e havia no minímo mais uns 40 passageiros dentro dele, o ônibus teve que ficar parado na estrada em torno de meia hora devido a um acidente, ninguém imaginava que alguns quilômetros após nós estaríamos envolvidos em um. Era noite, chovia, e também era a primeira vez em que me sentava em um dos primeiros bancos (poltrona 4), visualisava o horizonte e os pingos que caiam continuadamente no parabrisa, quando derrepente vejo o caminhão que estava à nossa frente parar bruscamente, estávamos pouco distante dele e imediatamente o motorista colocou o pé no freio, foram alguns metros ouvindo o som do freio, mas a colisão foi inevitável. Após o impacto todos começaram a pedir se alguém havia se ferido, sobretudo o motorista... todos estavam salvos, então vieram os agradecimentos a Deus, algumas pessoas choravam depois do susto, outras comentavam "não era pra mim ter vindo hoje", "depois de tantos anos indo à Porto Alegre isso é a primeira vez que me acontece"...
O que teria acontecido se o morista tivesse desviado do caminhão? O que teria acontecido se estivesse dirigindo com mais velocidade ou se estivesse um pouco mais próximo do caminhão à frente? Ou ainda, se aquele caminhão carregasse líquido inflámavel e não cimento?
Talvez vários de nós estariam mortos. Não estamos, será por sorte, destino ou pelo "pulso" firme do motorista, por sua ação precisa? Eu poderia entrar em um longo discurso reflexivo sobre esses três fatores, mas quero me ater a sensação do momento.
Foram só alguns segundos desde a percepção do que iria acontecer até o fato concreto, não deu tempo para pensar em toda vida e nem um filme rodou na minha cabeça, só pensei que poderia voar através daquele parabrisa e que poderia ser meu ponto final. Depois do tumulto, depois de trocar de ônibus e prosseguir a viagem vieram os pensamentos, como questionamentos do que eu teria deixado pendende se não estivesse mais por aqui... Kubler Ross, médica psiquiatra, suíça, estudiosa sobre a Morte e o Morrer  fala sobre o processo pelo qual pacientes em processo de morte vivem, um deles é o momento de acetar as pendências, falar os não ditos que vão sendo engolidos e trancados a sete chaves durante muito tempo e o quanto as pessoas viveriam mais plenas e livres se os resolvessem no decorrer da vida e não os deixassem para o fim, quanta vida deixada para depois por questões inacabadas, por sentimentos escondidos, expressões reprimidas... Diante de uma morte súbita não existe a possibilidade de passar por esse processo.
A maioria de nós não costuma pensar na morte, até mesmo procura evitar, mas aprender a pensar nela serve como uma avaliação constante de como estamos levando a vida, ou deixando ela nos levar. A morte não acontece só para idosos e nem somente para pessoas más, ela pode acontecer a qualquer hora pra qualquer um de nós, ao invés de perguntar "por que comigo?", pergunte "por que não comigo?"
Eu concordo com Mário Quintana quando disse " Morrer, o que me importa? O diabo é deixar de viver". Por isso o temor da morte, por que viver pode ser muito bom. Claro que é preciso doses de coragem, persistência, força, é preciso de equilibrio! Procure seu equilibrio pra poder viver o lado bom da vida e lembre-se daquele velho chavão "não deixe para depois o que se pode fazer hoje".
Gosto muito de um poema de José Saramago que explicita com leveza e beleza a finitude:


Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites, manhãs e madrugadas em que não precisamos de morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra em nós uma grande serenidade e dizem-se as palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda verdade suportável, o contorno, a vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com  a paz e o sorriso de quem reconhece e viajou à roda do mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

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